terça-feira, 17 de agosto de 2010

A verdadeira Catarse


ou Uma Breve Resenha Sobre O Príncipe das Marés



        Há pouco tempo eu escrevi sobre como comédias românticas, através de seu mínimo de plausibilidade, se tornam ainda mais irreais do que histórias de magia e ficção. Tal fato deixa um gosto residual desagradável, maculando a catártica experiência de mergulhar em uma leve distração por uma hora e meia.
        Por outro lado, outros filmes nos apresentam a realidade como ela é, de forma que nos é possível identificar e relacionar a situações, acontecimentos e pessoas, tornando a experiência cinematográfica mais completa, uma vez que podemos compreender melhor a motivação dos personagens.
        Ademais, tais filmes ainda nos ensinam a realidade, podemos compreender melhor o mundo em que estamos inseridos quando o vemos com olhos de espectadores e não atores.
        É claro que toda esta reflexão tem uma origem: O Príncipe das Marés. Filme de 1991, estrelado por Nick Nolte e Barbra Streissand, e dirigido pela própria estrela judia, nos apresenta um mundo grotesco em certos momentos e muito belo em outros, mas sempre mostrado de forma poética e sem perder a realidade e plausibilidade.
        Sendo absolutamente contra estragar filmes para quem ainda não os viu, mesmo diante das quase duas décadas do lançamento, não pretendo falar aqui dos mistérios do filme, centrados no que teria acontecido na infância dos irmãos Wingo. Mas isso não me impedirá de comentar o filmes. Aliás, faço um alerta: se por um lado não divulgarei o segredo da infância de Savana, por outro alguns pontos chaves da história podem ser revelados. Portanto, se ainda não tiver visto o filme, prossiga com cautela, ou simplesmente não prossiga.
        Quando digo que trata da realidade, não é que todos nós somos traumatizados e danificados à extensão de personagens como Tom ou Savannah. Mas é verdade que todos temos cicatrizes psíquicas que mancham o passado e determinam o presente, visto terem afetado a formação de nossa personalidade.
Alias, recorrente por todo o enredo é a desconstrução da perfeição. A história até começa nos mostrando crianças felizes, filhas de pais amorosos, mas ao passar do filme começam a ser dissecadas as camadas que escondem os segredos profundos daquela família.
        Desta forma, a derrocada das primeiras aparências acontecem ao longo de toda a película. Temos, por exemplo, a seriedade profissional da Dra. Lowenstein, que sempre aparece com cabelos impecáveis e roupas sóbrias quando se mostra profissional, mas com cabelos ondulados e roupas folgadas, quando em momentos de descontração, em que se permite ser ela mesma, e não a psiquiatra.
        O tédio e a angústia adolescente de Bernard, o sorriso simpático do violinista Woodruff ao passar por Tom na sala de espera da Dra. Lowenstein, são as primeiras cenas de apresentação de personagens, que depois se mostram ser pessoas diferentes daquelas que aparentavam.
        E não é bem isso o que temos em nosso dia a dia? Impressões erradas das pessoas, que procuram sempre se esconder atras de máscaras, seja se fazendo desagradáveis para afastarem as outras pessoas, seja personificando a simpatia, para as atrair, escondendo a verdade pretenciosa que existe em si.
        Falando ainda em realidades que o filme traz a tona, o que não dizer dos relacionamentos do personagem principal Tom. Com uma infância difícil marcada por uma mãe forte, decidida e ambiciosa, e um pai abusivo e ausente, além de traumas severos, por mais que tente se afastar de sua família, Tom não parece ser capaz de fazê-lo. Aliás, como ele aprende ao final, a aproximação é até mesmo necessária:

Tom Wingo: Em Nova York eu aprendi que eu precisava amar minha mãe e meu pai em todas as suas falhas, sua humanidade ultrajante. E em famílias, não existem crimes imperdoáveis.

        Com os problemas conjugais é o mesmo. Diante de uma situação que parece insuportável, sua atitude é a inércia. Em uma referencia ao título, ele é como uma alga na areia da praia, esperando que a maré suba para levá-lo de volta consigo.
        Enquanto isso, na praia, ou melhor, em Nova York, Dra. Lowenstein passa por problemas conjugais ela própria, mas é capaz de se libertar da situação, com um empurrão de Tom, é claro. Pois se ele permanece estático em relação à própria situação no sul (remetendo, inclusíve, à sua mobilidade diante do trágico acontecimento do passado de sua família), o mesmo não pode ser dito de sua atitude em relação à vida das pessoas com quem teve contato no norte.
        E aqui, mais uma vez, o filme se apresenta como um retrato da realidade. Se em uma comédia romântica o certo é que Tom ficaria com a Dra. Lowenstein no final, sabemos que na vida real os romances nem sempre funcionam, muito pelo contrário.
        Enquanto Tom ajudou a Dra a se libertar da vida triste que levava, ela, por sua vez, como o próprio Tom diz, o tornou apto a retornar à sua própria família. E ela, tendo por profissão analisar as pessoas, sabia muito bem o que a aguardava.

Susan Lowenstein: O que vai acontecer quando Sally o quiser de volta? Ela vai te querer, você sabe.
Tom Wingo: Por que tem tanta certeza?
Susan Lowenstein: Eu provei a mercadoria.

        A propósito, no que diz respeito à minha resenha anterior, sobre Harry e Sally, lembro de ter destacado que os diálogos eram muito bons, do tipo que dificilmente conseguimos reproduzir na vida real. Já em O Principe das Marés, digo que os diálogos também são maravilhosos, mas me parecem muito mais plausíveis de serem ditos em nosso dia a dia. Estas linhas por exemplo:

Susan Lowenstein: Admita. Você a ama mais.
Tom Wingo: Não. Não mais, Lowenstein. Apenas há mais tempo.

        Nós nunca veríamos estas palavras em nossas comédias românticas produzidas em massa, no entanto são falas como estas que representam com perfeição a imperfeição do mundo. Filmes deste tipo não deixam gosto residual ruim, não trazem aquela depressão após a euforia. O gosto ruim, a depressão, já existiam. Vê-los na tela apenas ajuda a expulsá-los de nós mesmos, possibilitando a realização da verdadeira catarse.

Cristiane Neves
17/08/10
02:03

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