terça-feira, 31 de agosto de 2010

Evolução




Eu nasci nos anos 80. Já era o fim do século vinte, e as grandes revoluções sociais já haviam acontecido. As décadas de 60 e 70, anos de mini-saia, biquini, pilulas anticoncepcionais, sexo, drogas e rock&roll já haviam acabado. E é claro que desde então eu, junto de minha geração, vim colhendo os frutos dessas mudanças tão importantes para a emancipação da mulher, para a política brasileira, para a liberdade de expressão, de pensamento, entre outros. Evolução, eles dizem. Mas até que ponto?
Eu não estou querendo desmerecer todas as conquistas que enumerei aqui. Acho que foi tudo muito importante, muito bem vindo, o progresso não deve parar, mas algumas coisas se perderam. Ah, os namoros de antigamente com os quais posso apenas sonhar! A corte. Hoje em dia não se faz mais a corte. Acho que os jovens nem sabem o significado da palavra. Eu recomendaria a eles que buscassem no dicionário a definição do vocábulo, mas creio que possam não saber como se pesquisa no “pai-dos-burros”, tão acostumados estão com as respostas através de um clique do mouse. Sendo assim, se por ventura algum jovem estiver lendo esse texto, deixe-me elucidá-lo:
Corte – assiduidade junto de uma pessoa, para lhe ganhar as boas graças; galanteio
Isso mesmo, assiduidade, frequência. Era preciso insitir, correr atrás de quem você gostava. E se você cortejava alguém, cortejava apenas aquele alguém, era porque devia valer a pena. Nada do cara agarrar o braço da garota na balada e falar “E aí, véio? Já foi ou já era?”. Isso quando ele se esforça por pronunciar alguma palavra, ao invés de partir direto para o beijo.
Nos idos de antigamente não existia o “ficar”. Ou era namoro, ou não havia nada entre o casal. Isso gerava uma certa segurança que falta nos dias de hoje. Como saber quando se está namorando atualmente? São raros ou pedidos de namoro. Depois de algum tempo ficando, se percebe namorando. Mas eu confesso que ainda não alcancei a sabedoria dos tempos atuais para ser capaz de identificar esse momento, essa transição do casual para o relacionamento sério.
O que se vive hoje é uma carência afetiva coletiva. As pessoas dizem estar tentando acalmar seus hormônios, seus desejos, quando, na verdade, todos querem a mesma coisa, ainda que não assumam. E a partir daí vivem da simulação do afeto. Em uma noite um casal finge se conhecer, se colam em carinhos e atenção, e se separam para nunca mais se encontrarem. Um relacionamento relâmpago que termina, em sua maioria, com uma troca de números e promessas, em geral vazias, de telefonema.
Às vezes o contato se prolonga para além daquela noite, ainda na necessidade de preencher o vazio das relações sociais de nosso tempo. As pessoas seguem testando umas às outras como se experimentassem sapatos em busca de um número que lhes caiba. Querem encontrar alguém com quem consigam uma conexão física e mental e enquanto não encontram, vão “improvisando” com o que lhes aparece pela frente.
Hoje em dia não se conquista, meramente se atrai. E uma vez atraídos se “enrola”, “empurra com a barriga”, se acomoda em um simulacro de relacionamento até que um dos dois seduza ou seja seduzido por uma terceira pessoa.
Claro, existem casos em que a sorte ou o cupido faz com que essas duas pessoas seduzidas se apaixonem de verdade, embarcando em um relacionamento real. Mas também existe aquele casal que acredita que tem de se apaixonar, que tem de ser um casal de verdade, ainda que não possuam tantas afinidades. É o pior dos casos, pois denuncia uma grande carência que eles querem cobrir a qualquer custo.
Eu acho que as pessoas hoje em dia são bem mais neurótica do que antigamente. São tantas incertezas, tantos talvez, tantas tentativas de ler nas entrelinhas, interpretar os mínimos gestos, as mínimas palavras, tudo inutilmente. Seria bem mais fácil se homens e mulheres pudessem ser simplesmente sinceros, dizer diretamente o que estão pensando, o que sentem, o que querem, sem medo de assustar a outra pessoa, sem medo de ser mal interpretado, apenas com o objetivo de “ser”.
Será que tantas evoluções sociais, tantas mudanças em tempo tão curto, farão nada além de criar mais obstáculos para a já difícil relação interpessoal? Será que a facilidade de aproximação das pessoas (liberdade, tecnologia) apenas as afastarão umas das outras? Ou será que estamos simplesmente passando por uma dessas fases de transição (que eu já disse ser pessima para identificar) e que em breve as pessoas poderão finalmente se encontrar?

Cristiane Neves
26/06/2006

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