terça-feira, 10 de agosto de 2010

A natureza humana




            Estava voltando do trabalho, apressada para chegar em casa e estudar. Na minha frente iam dois senhores, suponho que aposentados, ambos na casa dos 70. Andavam devagar, atrasando meus planos. Ao ultrapassá-los ouvi o homem mais alto dizer o seguinte fragmento de frase: “A natureza humana é uma coisa que...”
            Diminui a velocidade para ouvi-lo, mas o barulho da hora do rush na grande avenida tornou impossível compreender as palavras. Os carros, as pessoas no ponto de ônibus, as crianças que saiam da escola conversando e rindo alto, mataram a frase, impediram-na de chegar aos meus ouvidos.
           Voltei para casa frustrada, pensando interminavelmente naquele fragmento. O que seria, ou melhor, como seria a natureza humana? O que teria dado àquele senhor o direito de falar com tamanha firmeza de tão delicado e importante assunto? Teria ele resolvido o mistério que nos assombra, aprendido aquilo que procuramos entender desde antes de Aristóteles? Ele detém talvez, a chave para a melhor convivência entre as pessoas, uma vez que compreenda a sua natureza através de uma fórmula única aplicável a todos os seres humanos!
            Penso que talvez devesse ter me virado e lhe pedido, implorado, rastejado a seus pés se preciso para que me revelasse aquele precioso segredo. Mas me parece que aquela é uma sabedoria que só se alcança com a idade. Deus, para manter a ordem das coisas, fez com que ruídos altos superassem a voz dos sábios, em pleno dia do silêncio, para que eu não tivesse conhecimento adiantado dos mistérios da natureza humana.
E permanece aí um segredo ao qual ainda não tive acesso, e ao que parece me permanecerá vetado até que eu tenha, entre tantas outras coisas, sofrido, me alegrado, me decepcionado, me surpreendido pelas pessoas o suficiente para merecer ter esse assunto elucidado. Até lá tudo o que poderei fazer é arriscar.
            Me imagino daqui a 50 anos, quando já tiver entrado no pouco cobiçado clube particular dos experientes aposentados filósofos. Estarei um dia andando com um amigo, ou talvez estaremos sentados em uma praça, alimentando os pombos ou admirando a rara noite estrelada, e poderei virar para meu amigo e dizer “é meu caro, se tem uma coisa que eu aprendi em todos os anos de vida é o fato da natureza humana ser uma coisa que...”, e exporia minhas certezas acerca da humanidade, às quais meu amigo responderia com um balançar de cabeça, acompanhado ocasionalmente por “é verdade, é verdade...”. E eu ainda concluiria dizendo que “se já tivéssemos nascido sabendo disso, a vida nos teria sido bem mais fácil!”


Cris Neves
7/05/2003 - Dia do Silêncio
           

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