terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Noite




À noite vou me deitar. O lençol limpo e esticado sobre o colchão macio. O perfume do amaciante, o conforto e o calor do cobertor me protegendo do inverno. O escuro do quarto me promete um sono tranquilo que não vem. Um frio envolve não meu corpo, mas minha alma. Estou só. A cama de solteiro é imensa e eu, pequena, encolhida, não ouso me mexer.
Do andar de cima vem os sons de um casal se amando. Se amando ou brincando? Amor, paixão, diversão, passatempo... O que importa o nome? Eles estão juntos, cheios de gozo e eu aqui, com a angústia como única companheira.
Lembranças do passado brincam em minha mente. Um turbilhão de potenciais não cumpridos, de chances perdidas, possibilidades que deveriam ter sido mas mal chegaram a ser concebidas. Penso também no futuro. Por quantas outras portas eu passarei sem abrir, sem sequer ter coragem para espiar pelo buraco da fechadura?
A idéia do não existir também chega até mim. O não ser que não é nem alívio, nem tranquilidade, é só o nada. O vazio, o vácuo, o inconcebível. A morte? Não. A morte implica uma existência, ainda que passada, e sabe-se lá o que vem depois dela.
Mas eu existo (penso?), sou (qual a questão?). E aqui, no quarto escuro, sozinha a pensar na metafísica do mundo que não compreendo a sua imagem vem até mim. E começo a me lembrar não do que foi, mas do que é, da física que compreendo tão bem.
Quase posso sentir o toque de sua boca macia e o gosto da sua lingua (goiaba?). Seus braços me envolvem e suas mãos correm por todo o meu corpo. Finalmente me aqueço com o calor que emana de você. Mas abro os olhos e tudo é escuridão, e tudo é vazio. Viro-me na cama me aconchegando mais ao cobertor e rezo para que Orfeu me traga o sono tranquilizador.

Cristiane Neves
04/06/2006

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