terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Palavras vãs




            Por que cantam tanto a palavra? Por que o mestre Drummond diz “Lutar com as palavras é a luta mais vã / Entretanto lutamos mal rompe a manhã”? Por que ele se dá ao trabalho? Não sabe ele que certas coisas não podem ser escritas? Que certos sentimentos não cabem na tinta, não cabem no papel, não cabem na gente? É por isso que transbordamos em lágrimas, em choro descontrolado, ou explodimos em um riso gostoso maior que nossa boca, enquanto uma energia boa percorre todo o corpo (estômago – espinha – braços), energia gasta em pulos, fala descontrolada, a voz alterada pela felicidade.
            Não, ainda não é possível desvincular esses sentimentos da alma. Eu creio e até mesmo rezo para que nunca venha a existir qualquer semiótica capaz de criar essas relações, de prender tantos sentimentos a palavras. Espero que os sentimentos permaneçam únicos, fervilhando dentro da gente. É por isso que não cantarei a palavra, é por isso que, ao contrário do poeta, me abstenho do combate.
            Ora, mas o que estou eu a escrever! Eis aqui apenas mais um caso dos meus odiados amores. Juro que nunca vou compreender como é possível que eu mantenha tantas relações de amor/ódio como essa. Sim, eu admito, eu amo as palavras! Eu as amo mais do que elas podem dizer! Amo suas formas, suas disposições na página, a relação que mantêm auxiliando umas às outras e, às vezes, até competindo entre si. Sim, eu amo os livros que guardam as palavras, amo as palavras que guardam os conhecimentos, os conhecimentos que guardam sentimentos...
            Tudo bem, confesso que guardam sentimentos, muitos sentimentos, mas sei também que nunca serão o suficiente. Ainda assim eu as busco, seja nos diferentes sentires das fases da vida de Drummond, sejam nas sensações que causam, ao ler Pessoa, de que em algum lugar do mundo, em um momento qualquer no tempo, alguém pensou (pensa) como eu. Sei que inevitavelmente buscarei as palavras o resto de minha vida.
            Ainda assim, com todo o amor que nutro pela palavra, não tenho pretensão de me armar da pena, não me atrevo a lutar pela causa que defendem, nem vou me submeter a uma trégua.
            Deixe-me permanecer à margem, habitar uma orelha de livro, ou apenas observar a guerra que as palavras travam, pois na eterna luta das letras a maior vítima é sempre o autor.

Cristiane Neves
05/04/03
01:55

Um comentário:

  1. Há sentimentos que não podem ser ENTENDIDOS, tão pouco escritos e decifrados!

    Gostei do estilo RESENHA, amiga! Muito bom.

    Pois é amiga, os ilustres escritores pecam em achar que as palavras transcrevem qualquer sentimentos. Até os desconhecidos! UTOPIA!

    Belo post... Grande beijo.

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