terça-feira, 23 de março de 2010

Milagre




            Hoje eu fui à igreja. Não, não é domingo nem nenhum dia santo. Mesmo que fosse, essa informação ainda seria uma surpresa. Não costumo frequentar a Casa de Deus. Para mim todo solo é sagrado, não preciso de paredes e estátuas para me comunicar com forças superiores.
            Mas hoje eu recebi um chamado. Estava passando perto de uma igreja e de repente soube que devia entrar. Não usaria nenhuma porta lateral, mas sim a entrada principal. Eles me esperavam, o tapete vermelho estava estendido. Uma banda ensaiava a um canto e uma senhora rezava.
            Sentei-me na frente e lembrei-me que ao entrar em uma igreja pela primeira vez se tem o direito de fazer um pedido. Não, não é isso. Direito a fazer pedidos temos o tempo todo, mas ao entrar em uma igreja pela primeira vez, o pedido feito é atendido.
Eu nem precisei pensar. Meu pedido saltava do coração, vivo dentro de mim. Ergui meus olhos para as imagens no altar, a fim de que confirmassem que meu desejo seria realizado. No centro estava São Mateus. Ele tinha um pergaminho em uma mão e uma pena na outra. Eu o olhava fixamente, esperando o momento em que abaixaria a pena e anotaria o meu pedido no papel. Isso não aconteceu, ele apenas desviava o olhar de mim.
Busquei por Maria ao seu lado. A Santa interviria por mim. Mas ela tinha os olhos e a cabeça baixos e os braços esticados com as palmas viradas para mim em gesto de impotência. Voltei-me para as outras imagens. São José, à esquerda de São Mateus, segurava o menino Jesus e tinha os olhos tristes voltados para a criança. Ao pé do altar estavam dois anjos aos quais indaguei:
“Vocês são meus anjos da guarda? Podem me ajudar?”
Mas eles também estavam com a cabeça baixa. Tinham os olhos fechados e uma mão no peito, em grande dor, como a dizer que tampouco eles poderiam socorrer-me. Olhei para o chão, para o teto, para as paredes. Vi a banda, a velhinha que rezava e uma criança que acabara de entrar.
Comecei a perguntar o porquê da rejeição de meu pedido, se eu também não teria direito à felicidade e expus toda a minha dor, todos os meus sentimentos de fraqueza e carência e tudo o mais que não gostava dentro de mim.
Quando me voltei novamente para o altar, todas as imagens tinham os olhos direcionados para mim, a cabeça erguida e a expressão de bondosa pena. Meu canto, de tão triste, tinha comovido os santos e os anjos. Não vi São Mateus anotar nada em seu pergaminho, mas pude perceber por seu olhar que ele me compreendia. Os anjos tinham os olhos abertos, prontos para me acolher e consolar. São José e o menino me olhavam de modo reconfortante. Os braços e mãos, antes impotentes de Maria, agora queriam me abraçar.
Eu não sei se meu pedido será atendido, mas pela compreensão de todos eles e pelos milagres presenciados, eu lhes oferecerei a luz de uma vela e o perfume de um incenso.

Cristiane Neves
02/10/04

2 comentários:

  1. Lindo Cris...
    Que bela cena e que descrição incrível dos sinais!

    Apesar de 'todo solo ser sagrado', às vezes, o convite direto ao coração para entrarmos na 'Casa de Deus' nos traz um conforto, através do desabafo e do recarregar das esperanças...

    Se seu pedido será atendido n posso lhe dizer... mas tenho certeza de que foi ouvido!

    Lindo post, Cris...

    Bjinhos.

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  2. Cris...lindo este texto...é bom ler algo assim...
    Ele trouxe uma paz...uma alegria...
    parabéns amiga...
    Sempre estou acompanhando seu blog...
    Saudades de vc...!!!
    Bjos... Logo estarei ai...em breve...

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