terça-feira, 20 de julho de 2010

O Diálogo




O cenário é um bar cheio. Duas mesas de sinuca onde pessoas menos bebadas ganham das que já tomaram uns copinhos a mais. Amigos reunidos conversam, fofocam, namoram nas mesas espalhadas pelo ambiente. Em uma delas Ela está entediada, segurando vela para a amiga que, neste momento, parece estar usando a própria língua para contar os dentes de alguém que acabou de conhecer.

Um Cara se aproxima. Um Cara a acha atraente e a aborda. Ela está feliz com a iniciativa. Um Cara é bonito. O diálogo tem início:


Um Cara: Posso te conhecer?

Ela: “Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!”

Um Cara: Ah, mas eu tô aqui, gatinha? Qual o seu nome?

Ela: “O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria.
Deram então de me chamar
Severino de Maria”

Um Cara: Severino de Maria? Que doido! Então, mas cê é daqui mesmo?

Ela: “Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?”


Um Cara coça a cabeça tentando compreender.


Um Cara: Viveu aqui e voltou? Xô ver se entendi: cê é daqui, mas não mora mais aqui... Tá visitando, então? E o que tá achando do lugar?

Ela: “Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.”

Um Cara: Cê fala muito esquis..., digo, diferente. O que você faz?

Ela: “Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.”

Um Cara: Poeta? Então tá explicado... Eu não entendo dessas coisas não. Sabe o que eu adoro? Surfar! Sempre que posso dou um pulo no litoral. Você curte pegar onda?

Ela: “a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda”

Um Cara: Ow, o que cê fumou, garota?!? Viajou bonito agora!

Ela: “Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso,
Nas noites de verão namoro estrelas,
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso...”

Um Cara: Namora estrelas? Tá doida?

Ela: "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.”


Momento de silêncio constrangedor.


Um Cara: Hã, meu amigo tá me chamando ali. Tipo, depois a gente se fala mais, então...


Um Cara se afasta. Ela suspira e volta a encarar o copo de cerveja sobre a mesa. Algumas mesas atrás, mais ao fundo do bar, Ele a observava. Ouviu partes da conversa. Interessou e agora aproxima-se  d’Ela.


Ele: “Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. –
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...”


Os olhos d’Ela brilham.


Ela: “E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”


Falavam a mesma língua e continuaram a falar até que um dia a morte (angústia de quem vive) ou a solidão (fim de quem ama) os procurou.

FIM

Cristiane Neves
15/07/10
1:28

Um comentário:

  1. óóóóóóó, Criiis, que legal!!!!!

    Adorei!

    Falar a mesmo língua é importante,. gostar das mesmas coisas é importante, mas a diferença, as vezes, pode tbm trazer boas surpresas.

    BJO!

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