quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PLATONISMOS PLATÔNICOS VII



Reencontros

“O que dizer a alguém com quem não temos contato há 15 anos? E quando esta pessoa, em determinado momento no tempo, nos significou mais do que é possível exprimir, comprometendo nossa consciência, integridade e moral?”


Amizade. Coleguismo. Amor. O que é capaz de sobreviver ao tempo e à distância?
Hoje nós temos tecnologias que facilitam o contato, superando o espaço, vencendo o tempo. Mas as ocupações do dia a dia acabam por tornar as relações superficiais. Um dia você acorda e vê que o único contato com aquele melhor amigo da 5ª série se resume a postar uma mensagem de feliz aniversário no orkut. Mesmo assim, só porque o próprio site de relacionamentos te lembra daquela data.
Fato é que o esquecimento, o estranhamento mesmo, são inevitáveis quando há distância entre as pessoas por prolongado período de tempo. São raras as amizades capazes de resisitir a este teste.
Normalmente os acontecimentos inevitáveis da vida nos levam por caminhos os mais diversos. Ao longo do percurso, encontramos pessoas diferentes e passamos por elas, deixando-as seguir seus rumos enquanto continuamos em nossa própria trilha.
Às vezes há o reencontro. Após alguns segundos de euforia, torna-se um anticlimático momento de constrangimento. Assim, grandes amigos de tempos atrás fingem colocar em dia as notícias sobre suas vidas. Relatam em que trabalham, com quem casaram e quantos filhos tiveram, deixando de lado detalhes como o baixo salário, a crise no casamento e as revoltas adolescentes do primogênito.
Em poucos minutos, exaurem este tópico, pondo-se, então, a relembrar o passado. Momentos divertidos, passagens difíceis, memórias que ambos carregarão para sempre. Logo, mais este assunto se encerra. Não há o que falar. Não há nada em comum entre os dois. Não fazem parte do presente um do outro.
E quando nos deparamos com um grande amor de outrora? Creio que o mais das vezes a reação é riso, alívio ou simplesmente indiferença. Nestes casos, ficar tentando identificar o que nos teria feito apaixonar por tal pessoa é uma tarefa verdadeiramente árdua. Na realidade, se trata de empreendimento inútil, pois aquelas duas pessoas que se vêem frente a frente não são as mesmas de anos atrás.
É preciso agradecer a Deus por estas mudanças.
Apesar do alívio de perceber tal amor superado, a ferida há muito cicatrizada, não deixa de ficar ali uma decepção, uma nostalgia, a sensação de que algo se perdeu.
E se ao encontrar tal amor perdido, a sensação for de despertar algo há muito adormecido, algo que se acreditava morto? Descobrir brasa aonde acreditava haver apenas cinza... Isto é possível?
Ao ler o grande poeta Olavo Bilac acredito que sim. Sua malfadada história de amor é conhecida. Noivo da poetisa Amélia de Oliveira, teve o casamento impedido pelo irmão de sua amada, permanecendo ambos solteiros por toda a vida.
Dizem que se encontraram depois de 20 anos separados. Do episódio resultou o soneto Milagre, de Bilac:

Depois de tantos anos, frente a frente,
Um encontro... O fantasma do meu sonho!
E, de cabelos brancos, mudamente,
Quedamos frios, num olhar tristonho.

Velhos!... Mas, quando, ansioso, de repente,
Nas suas mãos as minhas palmas ponho,
Ressurge a nossa primavera ardente,
Na terra em bênçãos, sob um sol risonho

Felizes, num prestígio, estremecemos;
Deliramos, na luz que nos invade
Dos redivivos êxtases supremos;

E fulgimos, volvendo à mocidade,
Aureolados dos beijos que tivemos,
No divino milagre da saudade.

Teria sido por esta época que Amélia escreveu os seguintes versos:

Não te peço a ventura desejada,
Nem os sonhos que outrora tu me deste,
Nem a santa alegria que puseste
Nessa doce esperança, já passada.

O futuro de amor que prometeste
Não te peço! Minha alma angustiada
Já te não pede, do impossível, nada,
Já te não lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sorvida, ocultamente,
Nesta saudade atroz que me deixaste,
Neste pranto, que choro ainda por ti,

Nada te peço! Nada! Tão-somente
Peço-te agora a paz que me roubaste,
Peço-te agora a vida que perdi!

Completando a triste história, contam ainda que, após a morte de Bilac, Amélia teceu-lhe um travesseiro recheando-o com mechas de seu cabelo, descansando nele a cabeça de seu grande amor.
Será possível então, que a distância e o tempo podem ser superados por sentimentos nobres? Ou será que tais sentimentos somente se mantiveram nobres devido aos obstáculos, mantendo a idealização, a perfeição platônica?
Acho que ainda preciso percorrer um longo caminho até poder responder a estas perguntas. Por enquanto, continuo dando graças a Deus pelas mudanças que nos salvam da estagnação, mesmo que o preço, às vezes, possa parecer alto.

Cristiane Neves
29/09/10
20:04

PS: A foto deste post é do reencontro do leão Christian com os homens que o criaram, depois de um ano em seu habitat natural. Quem já viu o video tem de acreditar que existem laços que permanecem.

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