sábado, 16 de outubro de 2010

POLÍTICA E RELIGIÃO


Da hipocrisia de José Serra à inconstância
das convicções de Dilma Rousseff


Eu não entendo como as pessoas misturam tudo com religião. Política, ciência, arte, nada está a salvo do olhar condenador das religiões, dos religiosos, e dos que se dizem religiosos sem sequer conhecer a fundo os dogmas de suas seitas.
Nas últimas semanas a religião tem andado lado a lado com a política. Cabos eleitorais e eleitoreiros, marqueteiros e simpatizantes parecem tentar utilizar a postura dos candidatos diante da religião como ponto a favor ou contra, como se tivesse qualquer relação com a capacidade de governo do candidato. Ora, o Brasil é (pelo menos em teoria) um país laico, ou seja, estado e religião não se confundem.
Eu sei que isso não significa dizer que se trata de um país ateu, afinal o preâmbulo da Constituição Federal declara:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL." 
Fica dificil classificar o Brasil como um Estado laico se em sua constituição se encontra expressa a existência de Deus. Eu, particularmente, acho que a afirmação constitucional da proteção divina não deveria existir, visto que pessoas que não crêem na existência de Deus podem se sentir diminuídas, discriminadas, ou até mesmo sentirem que seu direito de crer (ou não crer) foi violado.
Imaginem o que os judeus não sentiriam se, no lugar da palavra Deus, o legislador colocasse a palavra Cristo. Mesmo através do uso do vernáculo original são excluídas diversas religiões, a exemplo da Wicca, que acredita em uma Deusa-mãe, além de uma variedade de deuses complementares.
Seria isso uma postura neutra em relação a religiões?
Doutrinadores afirmam que o preâmbulo da constituição apenas "reflete ordinariamente o posicionamento ideológico e doutrinário do poder constituinte"[1], sem possuir força cogente, a menos que seu conteúdo seja reafirmado no texto da constituição em si.
Desta forma, observamos que a referência a Deus não aparece nos artigos que compões a Carta Magna. Pelo contrário, o inciso I do artigo 19 determina:
"É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração de interesse público;"
É aqui que se afirma a secularidade do Estado Brasileiro.
Mesmo tendo claro que, juridicamente, religião não deve influenciar na política de nossa Pátria, popularmente sua influência é grande, de forma que neste ano eleitoral a fé tem sido a maior arma da oposição para minar a credibilidade da candidata da situação. Não oficialmente, é claro.
Em discurso recente, dentro da basílica de Nossa Senhora Aparecida, em pleno 12 de outubro, dia da Padroeira do Brasil, José Serra alegou, hipocritamente, que a religião nao é um argumento político, visto se tratar de um país laico (leia aqui).
No entanto, seja pela internet (através de e-mails ou infinitas redes sociais, como facebook, twitter, orkut, etc), seja por mensagens do celular, seja nas capas de revistas e de jornais nas bancas, ou mesmo nas mesas de bares, não cessam os ataques à candidata Petista devido seus posicionamentos em relação a religião.
Neste ponto do texto, acredito ser importante ressaltar que não gosto de Dilma Rousseff e não votarei nela. Votarei justamente no hipócrita do Serra, só para não vê-la no poder. Isto porque, sem apelar para questões religiosas, já existem argumentos suficientes para NÃO votar em Dilma. Se a idéia é atacá-la, basta invocar seu histórico, de seu ministério, como o que tem sido feito oficialmente nas propagandas de Serra.
E falando em histórico, se por um lado Serra é hipócrita, fingindo que o ataque religioso não é uma estratégia, o que dizer de Dilma, incapaz de manter um posicionamento devido a pressões de grupos religiosos? Ora, cadê o espírito rebelde e revolucinário que lutou contra a ditadura? Não é capaz de manter uma opnião polêmica por ser ela contrária à corrente majoritária?
Não vou me aprofundar no tópico “aborto”, pois este seria assunto para todo um livro, mas como acreditar em convicções políticas de alguém que muda de opinião com a direção do vento?
Se este argumento da inconsistência de suas opiniões é válido, o mesmo não pode ser dito quanto a seu posicionamento religioso. O fato de uma pessoa ser mais religiosa do que a outra não significa ter uma moral ilibada, valores corretos, ética e integridade profissional.
A fim de provar que bom governo e religião não têm relação, poderia citar as nações teocráticas, como o Irã ou a Arábia Saudita, locais onde o cerceamento de direitos humanos é a regra e guerras são constantes, tudo em nome da fé. Mas eu prefiro demonstrar a veracidade de meu argumento com a seguinte passagem do discurso de um político muito conhecido, morto há 70 anos:

 “Meu sentimento como cristão aponta-me para o meu Senhor e Salvador como um lutador. (...) No meu amor sem limites como cristão e como homem, eu leio a passagem que nos conta como o Senhor finalmente se levantou em seu poder e tomou do chicote para expulsar do Templo a raça de víboras e vendilhões."

        Até este ponto o texto ainda apresenta um conteúdo aceitável. Poderíamos pensar em um político limpando o país da corrupção ou algo semelhante. No entanto, o parágrafo seguinte não deixa dúvida a respeito da identidade do autor deste discurso:
 “Como foi maravilhosa a sua luta contra o veneno judeu. Hoje, depois de dois mil anos, com a mais profunda emoção, eu reconheço mais do que nunca o fato de que foi por isso que Ele teve de derramar o seu sangue na cruz.” - Adolf Hitler - Minha Luta
         Como se vê, está correto o ditado que diz que até o diabo pode citar a Escritura Sagrada quando servir a seus propósitos.


Cristiane Neves
14/10/2010
23:17


[1] FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. 1ª ed. v. I, São Paulo: Saraiva, 1989.

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