terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Banco de Praça






            Ocorria um evento e toda a mídia local estava lá cobrindo, inclusiva ela. Sentada no fundo, afastada dos outros jornalistas, assistia à entediante palestra sobre economia, aguardando o momento das entrevistas. Um colega de trabalho do mesmo jornal chegava atrasado no anfiteatro. Trata-se de um homem introspectivo e ao mesmo tempo incoerentemente aberto. Os dois possuiam apenas uma superficial relação de coleguismo e boa vizinhança. Ele sentou-se ao lado dela e falou baixo ao seu ouvido:
            _ Ei! Eu te vi ontem à noite na pracinha, sentada comendo cachorro quente com a câmera fotográfica ao seu lado.
            _ É... – respondeu ela não querendo falar muito.
            _ O que você estava fazendo?
            _ Eh, hã, bom...
Ela pensava no que responder. Não parecia querer compartilhar aquilo com ele, ou mesmo com quem quer que fosse. Ele já se arrependia de ter perguntado ante o embaraço da colega.
_ Em uma palavra – respondia ela, recuperando uma grande firmeza na voz – flanando.
_ Ah, é? – surpreendeu-se o homem – E em mais de uma palavra o que você me responderia? – se arriscava a vê-la novamente embaraçada.
         Ela respondeu falando rápido, atropelando as palavras numa aflição que na verdade não existia. Costumava ser naturalmente cênica, muitas vezes aplicando maior carga dramática a seus atos do que sentia de fato.
_ Bem, eu saí para tirar fotos, apenas por distração, porque estava um fim de tarde muito bonito. Acabei me frustrando, pois o sol se pôs muito rápido e não consegui apreender vários momentos, belos fragmentos de vida que se apresentavam diante de mim. Tudo parecia estranhamente mágico naquele por do sol, no entanto não havia luz suficiente para que eu pudesse eternizar essa magia. Ao voltar para casa me perdi, hipnotizada nos movimentos da calça jeans que o garoto que ia à minha frente usava. Tive vontade de sentar, ou ainda, me deitar, ali mesmo na calçada, para poder absorver de algum modo tudo aquilo que via e não podia fotografar. Mas, é claro, as pessoas jamais aceitariam que eu me deitasse ali. Me achariam louca, me perturbariam e afugentariam a magia. Assim resolvi ir até a pracinha. Comprei o cachorro quente para que eu não parecesse uma simples solitária num banco de praça, o que, aliás, eu era. E é por isso que eu estava lá, sentada sozinha.
Os olhos dele brilhavam olhando fundo nos olhos da mulher a sua frente. Com um sorriso perverso no rosto, disse:
_ Eu não perguntei porque estava lá, mas o que fazia...
_ É, eu sei. É que eu não queria responder por ser pessoal. Não queria lhe dizer do que não consegui falar a mim mesma. Não queria contar da gorda que atravessou a rua de mãos dadas ao magrelo careca. Nem queria apresentá-lo ao jovem com a guitarra nas costas que se encontrou com dois amigos. Não queria lhe dizer que eles se cumprimentaram efusivamente e conversaram animadamente me lembrando dos primórdios de minha adolescência já perdida. Também não queria citar o punk que pulou de uma caminhonete com uma maleta cara nas mãos que podia conter uma bomba. Nem desejava descrever-lhe as folhas secas aos pés das árvores que me fizeram acreditar na existência de um outono no Brasil, e que me levaram a me imaginar em um cenário de árvores nuas e chão amarelo, uma imagem pitoresca tão linda que parecia um mergulho em um quadro de Monet. Muito menos quero dizer-lhe do que não pensei, do que apenas vi e quis que penetrasse por meus poros até atingir, se unir ou ser absorvido pelo mais profundo do meu ser. Afinal de contas “Há metafísica bastante em não pensar em nada”, e eu não queria pensar.
Quando ela terminou o relato ele simplesmente se inclinou e beijou o rosto da amiga com toda a ternura e admiração que ela lhe despertara. Quando se afastou, ela apenas olhou em seus olhos e sorriu um sorriso sincero. Em seguida se acomodou melhor na cadeira, apoiou a cabeça no ombro do amigo, e voltou a assistir à tediosa palestra.




Cristiane Neves
04/06/03

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